"Os portugueses nunca se querem ver"
Aos 33 anos, Joana Vasconcelos faz em França aquela que é, até agora, a sua maior exposição - 13 peças na Passage du Désir, mais três no Instituto Camões. Qual é a importância desta exposição neste momento?É entrar num mercado que me desconhece completamente com uma muito boa fatia do meu trabalho. São 16 peças que, juntas, dão uma boa ideia do que eu sou como artista. Depois, houve um lado de construir uma exposição de forma realmente profissional, com uma arquitectura de montagem, desenho de luz... O que aqui se vê é uma perspectiva sobre o meu trabalho. Isto é uma agência de publicidade muito relacionada com o "design", a moda - o comissariado foi também feito a partir desses interesses. Será uma perspectiva mais ligada ao "design" e à moda. Não é como a exposição que fiz no Mosteiro da Cartuja, de Sevilha, que tinha um carácter muito feminista. À parte disso, o que lhe interessou mostrar neste contexto?Por ser França e haver uma grande comunidade portuguesa, fiz uma exposição que mostra que Portugal também é contemporâneo. Uma das peças que eu trouxe é a mesa com os "tupperware" ["Plastic Party", 1997] e exigi que o "catering" fosse feito com produtos portugueses. Em Espanha nunca exigi isso, nem em Portugal. No fundo, isso é a contemporaneidade: é ser capaz de pegar no passado e torná-lo futuro. E as pessoas que vêm aqui, percebem que estou a dar a volta a qualquer coisa. O constante pegar em objectos do quotidiano ou numa artesania ligada às tradições portuguesas é também uma forma de exponenciar relações entre um tempo passado e um tempo futuro?É estar a expor uma realidade escondida, uma realidade que toda a gente partilha mas de que ninguém fala. Nós os portugueses somos muito assim: partilhamos imensas coisas das quais não falamos. A sexualidade é uma delas. A libertação da mulher é outra. A guarita cheia de espelhos ["Spot Me", 1999] tem a ver com isso. Aquelas guaritas serviam, entre outras coisas, para vigiar comícios, portanto, eram objectos da ditadura. Foram todas queimadas, eu salvei uma e enchi-a de espelhos, mas quando entramos lá dentro [por um efeito de reflexos] não nos vemos. É como a ditadura, e como os portugueses: nunca se querem ver a si mesmos. Como não olhamos para nós próprios, criamos uma impossibilidade de beleza. Vanessa Rato , Público, 18.01.2005
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