agora vou-te cortar a língua para aprenderes a cantar, adília lopes

domingo, 31 de agosto de 2008

O Albatroz, (a propósito de Mágoa das Pedras, de Joaquim Castro Caldas)

Ses ailes de géant l'empêchent de marcher. (Baudelaire)
Eu vi a luz em um país perdido. (Pessanha)


Tendo por fundo um eco baudelairiano, Joaquim Castro Caldas evoca em Mágoa das Pedras (2008) a consciência da indiferença do seu tempo e da sua própria diferença – um albatroz em desasado, um canguru no meio da beleza.

Quando o albatroz, o monarca azul dos ares, é por sádico prazer preso pelos marinheiros, perde a graça e as longas e as suas pesadas asas tornam-se um empecilho. O que antes era belo e admirável é agora risível – “lui naguère si beau, qu'il est comique et laid!” . Assim, também o poeta que enfrenta vendavais e se ri da seta no ar, quando exilado no chão, obrigado a cumprir regras que desconhece e a estar monotonamente no meio de todos, não consegue, sequer, andar. Assim o albatroz de Coleridge e Baudelaire, assim Joaquim Castro Caldas.

Nenhuma imagem é tão perfeita para a poesia e para a figura de JCC como a do albatroz: o poeta incompreendido, o príncipe da altura, o estrangeiro em terra. Façam-lhe ao menos a justiça de o não julgar nem fora , nem antes do tempo (Caldas, 2008:10).

Mágoa das Pedras traz-nos uma memória de um tempo em que se amava “e nunca se pedia / aos corações desamarrados / falava-se de tesouros perdidos / partia-se à procura de um dia” ( p. 35), mas um tempo que não vale já a pena lembrar pois “mordiscar o tempo sabe a esferovite” (p. 28). O poeta continuou a dançar mesmo depois de a música ter parado. Todos os outros, se habituaram a viver sem asas, a andar rente ao chão: ele não, insiste no voo, resiste - “apanho mar e lavo os olhos com luz / deito a cabeça na areia carrego o coração” (p. 13) – e transfigura-se em “anjo mensageiro que por mar, terra e céu” anuncia o apocalipse para os que “informatizam a eternidade” (p. 17) e para os que não perceberam que a grande revolução ainda não está feita.

Mágoa das Pedras é feita de aindas e agoras : “ainda as líricas impressas”, ainda a vida em fundo” (p. 10), o lume ainda aceso (p. 20), um grande amor ainda espera pelo amor ” (p.59) e por agoras, certezas de que acções incompreendidas no passado, agora fariam ainda mais sentido: “agora é que tinha graça” e “há lixo da época ouro hoje […] que agora nos deixam a pele em arrepio” (p.55). Os “aindas” e os “agoras” do texto são pequenos freios impostos ao tempo: tentativas fugazes de, com o capital de vida acumulado, viver de uma forma mais distendida, mas a velocidade impressa no passado, não perdoa e já não há travões possíveis (note-se que quase não há pontos finais, não se pode mesmo parar).

A imagem que o título cataforicamente projecta na obra é a do relógio de água: a clepsidra - água, mágoa, pedra. A água que mede o inexorável passar do tempo e nada fixa. A palavra escrita é a resistência num tempo esquivo: “escrevo à mão a quem se debruça ainda nas líricas impressas” (p. 10), num tempo de sms – “hoje para chegar a tempo manda-se um silêncio a dizer morri, vivalma, nada”(p. 31) - e outras redes.

Numa óptica palimpséstica, Mágoa das Pedras traz-nos o desejo presente em Pessanha de “deslizar sem ruído” (Pessanha, 1987: 33): de passar, de ir. Sem nascimento e sem morte: apenas uma mudança de energia - on/ off :

“tudo passa e desaparece, recomeça, a cada vez diferente, a voz sugere, o que está em movimento recupera a fonte, a voz foge, aqui não há morte, a vida recomeça, há só uma energia que muda de forma e mergulha” (p. 9).

Em Castro Caldas, há um paradoxal estar dentro das coisas, estando ao mesmo tempo distante. Há uma incapacidade de parar, de fixar, por pouco tempo que seja, o próprio tempo. Uma fina película - “película de água” (p.9), película de geada” (p.39) - aproxima-o e afasta-o do concreto, como se esvoaçasse, sem nunca verdadeiramente voar, mas também, sem nunca verdadeiramente poisar. É um estar por dentro, vendo tudo a uma certa distância, ou melhor num outro tempo. A película, o biombo, a neblina devolvem-nos um intervalo e, ainda assim, “tudo se passa por dentro” (p.33).

Os amigos são as estratégias de continuar inscrito, amarrado ao tempo e ao real: são os violinos e são as cartas. O amigo é o príncipe e o livro que depois relido continua novo e puro. O amigo é a faca que rasga caminhos, é aquele que chega sempre a tempo ao mesmo destino.

Em Mágoa das Pedras sente-se a correria desatinada para o abismo, através de um trajecto de acumulação de ideias e de uma de construção sintáctica desajectivada. A febre que empurra para o abismo é a mesma que faz com que se entrecruzem planos e sensações na água, na mágoa que tudo arrasta.

As palavras que tomou de empréstimo – as que disse, as que usou - são agora despidas e despedidas, como que se tivessem atingido uma maioridade que o dispensa, a ele enquanto voz:

Vão-se embora palavras
Deixem-me ali à esquina
Amem e façam-se à vida
Não temam a morte voem
Sabem que são minhas
Para lá dessas fronteiras
Que desapertam as rimas
Com poemas ou bombas
Fucem apanhem boleias
Só vos deixei preparadas
Para os cornos dos poetas (p. 46)

Num poeta “diseur” é curioso este mandar ir as palavras, sem si, este “ir indo”: as palavras ficam desatadas como puro espírito à procura de uma voz, talvez porque acredite existir só “uma oportunidade” (p.52):

Tinha uma luz para voar
Tinha o dom e a dedicação
Para ir mais longe do que tudo
Mas esqueceu-se de que além do brilho
Só há uma oportunidade (p.52)

Depois do sopro no pavio, são as palavras desfraldadas, as palavras ditas e escritas que ficam e sobrevêm ao tempo: são a inscrição possível nas pedras. Não há espaço para corrigir erros, repetindo, qual jockey, a corrida à procura de um outro resultado. O destino é o do albatroz prisioneiro, o do cavalo caído. Resta-lhe apenas ajudar o próximo cavalo a ter melhor sorte “e não culpar ninguém ” (p. 53).

Do poeta habituado a “dizer”, sobra para a poética, a música verlainiana: “vagas breves”(p. 13); Suor / do trigo/ a sangrar / no dorso” (p. 23); “Moinho / do vento / violento/ a dobrá-lo” (p. 23); o amigo é um violino / estimado, obstinado” (p. 24); “de alfinete paciente e carinho antigo / o virtuoso ausente/ omnipresente “ (p. ), “Sotaque e o cognac “ (p 27 ), Mesmo triste a sorrir sempre” (p. 27), “as papoilas as palmas “ (p. 28); “não há orgãos, mãos e olhos, esporas e poros” (p.31); “bebemos buio / fumamos breu” (p. 33); “passa a mão ao de leve pela sede e na seda” (p. 44); “ vão as botas mágoa erecta de ervas” (p. 48). A música que emana dos versos, a música do violino é omnipresente – como se todos os silêncios, todas as solidões tivessem de ser preenchidas agora, pois não se sabe se há música depois, espera-se apenas que ela exista: “espero que haja música / no espaço mítico da morte” (p. 51).

Joaquim Castro Caldas junta, neste livro, os quatro elementos: esconde no título a água e a terra, deixa fugir para a capa o fogo e deixa os versos futuar. Ar, Fogo, Água e Terra, assim o albatroz faz o poema.

Concluímos com Sena e com o seu albatroz:

"Os marinheiros tinham apanhado o albatroz, e a ave, coitada, habituada a sobrevoar livremente as ondas, não sabia andar no convés do navio, tropeçava nas asas. É o que acontece com todos nós, os que voámos alguma vez. Fica-se a vida inteira a tropeçar nas asas, e a dar com a cabeça na gaiola." (Jorge Sena)

Mágoa das Pedras guarda as mágoas do albatroz que tenta voar, mas inevitavelmente inscreve o seu sangue nas pedras.

Bibliografia:

Caldas, Joaquim Castro, Mágoa das Pedras, Deriva, 2008.
Baudelaire, Charles, As Flores do Mal, Relógio d’Água, 1998.

Pessanha, Camilo Clepsidra, Ulisseia, 1987.
Sena, Jorge de Sinais de fogo
, Asa, 9ª ed. 2001.

O Albatroz (a propósito de Mágoa das Pedras, de Joaquim Castro Caldas)”, Das Artes e das Letras, 11 de Fevereiro de 2008.

O desalinho na poesia que se dá a ler : o lugar dos poetas do séc. XX na Escola

« o que eu escrevo não se diz»

Adília Lopes

O entendimento do que é literatura está associado a textos que oferecem resistências ao nível da língua. No caso da poesia, a linguagem que coloca entraves, que afasta, que distancia é entendida, recorrentemente, como forma de tornar os textos mais “poéticos”. A ideia de poesia ainda está associada a um imaginário de distância, de dificuldade, de elevação. O facto de em alguma da mais recente poesia, a nível linguístico, não existirem quaisquer entraves torna-se, portanto, um obstáculo intransponível para que alguns entendam esses textos como res poética. O poema que abre o novo livro de Inês Lourenço, Disfunção Lírica (2007), é revelador:

Nenhum destes poemas
Fará parte de um livro
Adoptado nas escolas. Há
muito tempo que não escrevo
azul mar e barcos ou outras
palavras para alívio de almas
homéricas.


Prefiro – ou preferem-me
Aquelas como: desalinho
Alinhavo ou logro ou outra
Qualquer. Nunca o arremedo
De uma palavra única esgota
O muito ou nenhum sentido
de um verso.

(Lourenço, 2007)

Uma certa ideia do que é (ou deve ser) a poesia faz com que se silenciem algumas vozes, com que se obscureçam alguns nomes, com que se legitimem uns em vez de outros, não apenas nas estantes, mas também nos curricula escolares. O ideal seria aceder aos textos sem necessidade de grandes espaços mediadores ou de contextualizações excessivas. O ideal, ou melhor, o meu ideal, é descobrir o texto na sua singularidade: com emoção, sem autor, sem época, sem tempo e só depois, vê-lo pelos óculos da poietica de forma a cruzar e a contaminar esse mesmo texto com outros que já façam parte da constelação individual de leituras.

Quer se queira, quer não os manuais (muito mais do que os programas curriculares) são os instrumentos que certificam, regulam, condicionam e ensinam a “ler”. Talvez seja por isso que há formas de dizer que (ainda) não conquistaram um espaço certificado:

A escola ocupa um lugar homólogo ao da Igreja que, segundo Max Weber, deve «fundamentar e delimitar sistematicamente a nova doutrina vitoriosa e defender a antiga contra os ataques proféticos, estabelecer o que tem e o que não tem valor sagrado, fazendo-o penetrar na fé dos laicos»: através da delimitação entre o que merece ser transmitido e adquirido e o que não merece, reproduz continuamente a distinção entre obras consagradas e as obras ilegítimas e, no mesmo acto, entre a maneira legítima e a maneira ilegítima de abordar as obras ilegítimas. (Bourdieu, 1996: 175)

Os manuais são dispositivos pedagógicos que estruturam não só os percursos de leitura, como também restringem os conhecimentos de âmbito literário e metaliterário, muitas vezes com décadas de atraso em relação aos estudos académicos[i].

Uma das sequências de aprendizagem do 10º ano de Português prevê que seja dedicado um espaço (breve) à poesia do século XX[ii]. Aliás, o programa não é, neste aspecto, directivo ou restritivo, prevendo uma breve antologia de poetas do séc. XX. É óbvio que essa antologia deve ser preparada pelo professor, contudo, a prática e os estudos mostram-nos que o manual condiciona mais a actividade do professor que o próprio programa (cf. Castro).

Assim, a partir de uma amostra assumidamente limitada (apenas quatro manuais ): A Arte das Palavras, de Hilário Pimenta e Vasco Moreira, da Santillana; Entre Margens, de Olga Magalhães e Fernanda Costa, da Porto Editora, Português Activo, de João Alves e Maria João Conde, da Plátano editora e Página Seguinte, de Filomena Martins Alves e Graça Bernardino Moura, da Texto Editora, constata-se que, além de escassa, a poesia do século XX não está representada em todo o seu vigor, tendo em conta que o século XX foi um século de oiro para a lírica portuguesa. Em nenhum dos manuais enunciados surge, na sequência dedicada à poesia do século XX, o nome de Herberto Helder ou de Joaquim Manuel Magalhães ou Vasco Graça Moura ou de João Miguel Fernandes Jorge ou de António Franco Alexandre ou Luís Miguel Nava, para falar em nomes que além de representativos, são incontornáveis.

Os textos apresentados são escassos (dois ou três poemas por autor) e sempre acompanhados por linhas de leitura ou de análise textual que condicionam o horizonte de expectativas do leitor, prendendo o poema aos textos metaliterários que o contextualizam. Assim, o poema em vez de ser a alavanca desencadeadora da reflexão e da intervenção, apresenta-se uma mera demonstração do já previamente anunciado. Não se espera que o aluno pense: espera-se que constate. Acresce referir que na selecção feita pelos referidos manuais se introduzem poucos nomes novos, pois repetem-se muitos poetas e poemas propostos no programa de Língua Portuguesa para o 3º ciclo[iii]. Nos manuais, o texto lírico serve, frequentemente, de pretexto para a abordagem de conteúdos de funcionamento da língua ou para o descortínio das intenções autorais: «a tendência para fazer da leitura um processo de intenções ou uma adivinhação do estado (de alma) em que estaria o poeta para falar de tal maneira» (Rubim,2000: 45).

A par do constrangimento provocado pela parca escolha, o tratamento do texto poético em contexto pedagógico é, normalmente, feito através de uma leitura colectiva, regulada e normalizada (cf. Vieira), fazendo com que todos retirem os mesmos sentidos, quase sempre a partir das linhas de leitura propostas (impostas?) pelo manual.

A escola continua «a ser a maior autoridade especulativa e a maior responsável pela organização do capital cultural amealhado por uma sociedade» (Teixeira, 2005: 14) e o espaço onde se regulam as leituras e os modos de ler e, sem qualquer desprimor para os autores eleitos, continua a favorecer os que escrevem «azul mar e barcos ou outras / palavras para alívio de almas / homérica.» (Lourenço, 2007). Não que estes volumes gnómicos sejam, ou devam ser afastados, mas já é tempo de abrir as páginas dos manuais a textos que tragam para o campo poético outras formas de ser e de estar na poesia. A poesia é mais do que «azul mar e barcos», é mais do que trabalho de linguagem: é também a linguagem do quotidiano. O sublime às vezes é o sujo, o lixo, a putrefacção. Criar leitores apenas para trilharem os caminhos habituais e previsíveis do texto é reduzir as potencialidades da poesia.

Na actualidade, Adília Lopes representa a ausência de preocupação com o belo, com o sublime, com o despertar de “bons sentimentos”. O seu dizer chão lança mão de um dos artifícios que usualmente distinguem o “dizer” poético: não se recorre a um vocabulário rico, a figuras de estilo distantes do dizer quotidiano, nem da sua poesia se retira uma moral que possa ser transportada para outros contextos. Ali não há espaço para uma oposição à cultura de massas, nem ao gosto comum: não há uma demanda do inefável, nem tão pouco uma tentativa de distanciamento em relação à massificação da cultura e da sociedade de massas. É importante que os manuais escolares – que são muitas vezes os únicos livros que existem em algumas casas – comecem a constar outras poéticas do séc. XX. Textos contaminados pelo quotidiano, pela poesia do quotidiano. A importância do manual não pode ser diminuída, uma vez que este dispositivo pedagógico é uma forma de nivelar as desigualdades sociais e promover o acesso a determinadas tipologias textuais que, de outra forma, seriam bastante difíceis.

Nos manuais, ainda se conserva a ideia de poesia, enquanto arte aristocrática, uma forma de arte que ajuda a discernir entre uma cultura superior, bem formada, culta, uma sensibilidade maior e uma cultura inferior, vítima da massificação do gosto. É óbvio que este entendimento impede que nomes como o de Adília, Jorge Sousa Braga, Manuel António Pina, Ana Luísa Amaral, Pires Cabral, entre outros, surjam nos manuais. Apetece copiar as propostas de Armando Silva Carvalho :

«Não falar da poesia das flores, dos cogumelos, dos montes, dos vales e da pomada lírica com que se protege o rosto da natureza. Não falar da poesia das palavras naturalmente poéticas, da mensurável construção do poema, dos rigores ascetas que obrigam a sintaxe às mais violentas provas de combate contra a matéria flácida que se esvai dos sentidos e não possui a calibragem do signo ensimesmado» (17)

Recuperando o “Desalinhavo” de Inês Lourenço, importa levar para a Escola uma lírica não operativa, que não corresponda ao que se espera: ao que os curricula desejam. A receita poética do manual exige textos que promovam o sublime e a elevação. A estética da decepção, muito mais de acordo com a actualidade ainda não garantiu o seu lugar.

Magalhães, no seu estilo acutilante, escrevia em 1989:

“O espírito dos livros, esse éter viciador, desapareceu entre revoadas de detritos vocabulares, de alarvices administrativas, de foleirice educacional. Ouvir hoje falar os acossados e infelizes professores de todos os níveis de ensino (que dantes incutiam a droga fulgurante da leitura), é assistir a um desfile de inépcias, a um esquematismo de fotocópias, à sufocação entorpecida por ordenados que mal dão para sobreviver quanto mais se descobrir em hábitos de conhecimento, à amargura se seres a si mesmo despromovidos, incapazes do gosto porque amordaçados por tempos infames e destruidores em tarefas imbecis, entre gente submetida à maldição de um Ministério medíocre, de boçais burocratas de Ministério, fugidos ao que é ser professor, sindicatos meramente auto-promocionantes: assim sucumbem os mecanismos de sedução num inescapável desalento (…) alguns [professores] até gostam de ler. Mas os quase nenhuns a quem foi concedido ser o corpo que se transfigura no espírito dos livros sabem que também aqui, como em tudo o mais, são uma inútil desrazão” (Magalhães, 1989 :294)

O negrume de Magalhães não será exacto hoje, contudo se o professor não for além do livro, se não se deixar inebriar por outras vozes, se não questionar o manual, se não ousar, não vai fazer a poesia acontecer. É necessário que também ele - ou sobretudo ele - tenha o gosto da poesia, que aprecie o ritmo, o rigor, a crueza, a limpidez de cada palavra. Esperemos que o professor faça do manual apenas mais um recurso e que não o transforme numa bíblia sagrada, conseguindo desta forma que o aluno se torne um construtor de sentidos.
Aprenda-se a lição de Eugénio: «Falar a quem quer que seja de aliterações, hipálages, oximoros, ou de singularidades biográficas, ou de movimentos literários não leva longe. O que importa fazer é pôr a poesia a falar. Mas para isso é necessário a quem ensina, antes de mais, ter o gosto da poesia e, em segundo lugar, saber lê-la» e adiante continua:

“Se eu fosse professor, levaria para a ula um poema contemporâneo, com mais possibilidade de ser entendido naquelas idades, por exemplo, José Tolentino Mendonça. Lê-lo-ia devagar, permitindo assim não só a respiração de cada verso como também que as palavras deixassem rasto, lá onde elas se demoram e penetram no sangue, seguindo o ritmo da própria fala:

Ouve o que diz a mulher vestida de sol
Quando caminha no cimo das árvores
«a que distância deixaste

O coração?»”

(Andrade: 2000, 28)


BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Eugénio (2000). “Como falar de poesia?”. In Relâmpago – Como falar de poesia?, nº6, 4/2000. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, pp. 27-28.

CASTRO, Rui Vieira de (1995). Para a Análise do Discurso Pedagógico. Constituição e Transmissão da Gramática Escolar. Braga: Instituto de Educação e Psicologia – Universidade do Minho.
CASTRO, Rui Vieira de (2002). In Relâmpago – A Poesia no Ensino, nº 10, 4/2002. Lisboa:Fundação Luís Miguel Nava, pp. 87-90.
BOURDIEU, Pierre, (1996), Regras da Arte (trad. Miguel Serras Pereira), Editorial Presença, Lisboa.
LOURENÇO, Inês (2007), A Disfunção Lírica, & etc, Lisboa
MAGALHÃES, Joaquim Manuel ( 1989) Um Pouco da Morte, Editorial Presença, Lisboa.
TEIXEIRA, Rui Azevedo (2005) Uma proposta de Cânone, Ed. Cosmo, Chamusca.

RUBIM, Gustavo (2000). “Como falar de poesia?”. In Relâmpago – Como falar de poesia?, nº6, 4/2000. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, pp. 45-48.


Os poetas na Escola ou a Estética da Decepção”, Das Artes e Das Letras, Janeiro de 2007.



[i] Em nenhum manual consultado (novamente assumo a diminuta amostra), encontrei referência a Camões enquanto poeta maneirista, este é sempre apresentado como exemplo da poesia clássica. Ora, Jorge de Sena e, de uma forma sistemática, Aguiar e Silva reposicionaram já o maneirismo na literatura portuguesa, contudo os manuais escolares não fazem eco disto mesmo. Um sonetos como Amor é fogo que arde sem se ver ilustra bem a estética maneirista, marcada pelos desgostos de amor, pela desilusão da vida, pelos infortúnios pessoais e por constantes sofrimentos íntimos.


[ii]Fe
rnando Pessoa tem um estatuto a parte, sendo abordado no 12º ano de escolaridade.


[iii] De acordo com o Programa de língua Portuguesa em vigor, estão propostas leituras de poemas dos seguintes poetas do séc. XX: 7º ano de escolaridade, Saul Dias, Sebastião da Gama e António Gedeão; o 8º ano de Fernando Pessoa, Sophia M, Breyner Andresen, Miguel Torga, Eugénio de Andrade e Alexandre O’Neill; 9º ano, Almada Negreiros, Fernando Pessoa, José Gomes Ferreira, Ruy Belo e David Mourão- Ferreira.