agora vou-te cortar a língua para aprenderes a cantar, adília lopes
domingo, 27 de dezembro de 2009
mares
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Ainda bem que o natal acabou | Carlos Alberto Machado
Ainda bem que o natal acabou |
Ainda bem que o natal acabou logo que soaram as doze descolei os lábios da mesa vomitei as doçarias todas para cima das notícias que anunciavam a morte algures onde o natal é regado com sangue e as rolhas das garrafas são tiros cegos e certeiros matam velhos e crianças em natal ou em belém para o ano haverá mais se a dor aguentar até lá nós aqui e eles no inferno uma data é uma data e é preciso comemorá-la com sangue e com lágrimas um dia os meus lábios ficarão para sempre agarrados à toalha de linho. Carlos Alberto Machado A Realidade Inclinada Averno 2003 |
domingo, 29 de novembro de 2009
...happily ever after
sábado, 7 de novembro de 2009
LAMINAGEM | JOAQUIM MANUEL MAGALHÃES
Um país agora este imenso aterro
teve alguma vez colinas e montados
onde o olhar demorava, adormecia
e seguia uma alegria viandante?
Ou gente que chegasse a qualquer mar
de que não quisesse logo fugir?
Só o pastoril decrépito o suspirava.
Teve o que todos tinham, em quantidade escassa,
até cobrir-se de desterro e de ilegais
e em pano de fundo esse lagar
de suicidas e débitos e primeiras segundas gerações.
A farpa de aceitação de quem consome
o sem destino da consciência.
Um país; tomou-se um assassino.
Vi verei os poucos verões até morrer
com este mundo de agressão em cerco.
Eu queria outro país, outro lugar
e tenho este infortúnio de leis amarrotadas
que não cumprem nem o violento nem o clandestino.
Um país de acasos,
um parque de campismo selvagem, um cimento apodrecido,
a música de sem abrigos nas estações de metro
enquanto não chegam comboios avariados
às plataformas de arte depredada,
um esboroamento sanguinário.
Até a linguagem que me ergueu
me sabe a sarro e a arrabalde.
Não fossem as obrigações que nos garrotam
nos fazem monstros com a lassidão de herbívoros
talvez pudesse ter o interior abandonado
e chegasse a faca do sol e me cortasse
noutra penúria mais serena.
Ainda que me digam que não olhe,
eu vejo. Ainda que me digam faz ginástica
e a depressão desaparece, nada me resolve.
Os ruídos sobem de qualquer lugar,
sintetizadores, martelos, desabamentos
uma percussão alheia a qualquer justiça.
Nenhuma janela que não fale
da construção administrativa dos piores instintos.
Todo o lixo do humano feito sebo
em qualquer lugar. Ainda que me digam
que vivemos em democracia eu digo
que não sei. Nem direitos nem deveres.
Um sem remédio ancestral.
Morreu a casa. Matou-a
O que lhe coube por contemporâneo
contra a placidez. Os autorizados
pelo conluio e pela votação.
Morreu a casa. E o pior
é não poder partir. Os laços
já se juntaram em anestesia. Preso
por outro amor, que não entende,
que não ouve como a casa já morreu.
A alguns vemo-los em qualquer pousio
Depois de fecharem as lojas
e nem se sabe o que vemos.
Aos balcões de cafés de azulejo,
com telemóveis pendurados nos cintos
e os cartões de crédito em dente na carteira.
Riem-se e batem nas costas
uns dos outros, entreolham e vigiam
se alguém diverso se aproxima
para largarem uma troça arcaica, e comem
com essa fome dos que não sofreram ainda
inquietações laborais ou crêem que virá
depressa o primeiro emprego. ..
Ao olhá-Ios melhor, aos seus afectos
de pessoal especializado em escuras economias
adicionais, vejo-os depois no verão.
Ao deus dará em todos os lugares,
em tendas velhas, em rulotes,
sabe-se lá onde vão cagar. E as mulheres
com os sinais exteriores da aspereza.
E as asas do inverno marítimo
auguram o aluimento.
Eu queria que na cabeça parasse
o furor de tudo o que tomba,
a derrota do dia a dia,
mas será sempre o cabide do tempo
quem estende as garras para nos alhear.
E os e-mail atravessam zonas sem remendo,
choças de tijolo com roupas a secar.
Assim armado o país.
As gentes em catástrofe deslocam-se,
deixam por testemunho o abandono e a inépcia.
Uma a uma, uma paisagem é trucidada.
Inchou a autarquias o país.
Atravessam-no a miséria e algum dinheiro
insolentes.
Um assassino
espreita outro assassino.
Os que destroem agora
podem exigir os torcionários que virão,
pois quem destrói pressente um chefe
e vai servi-Io.
E muitos hão-de sempre ser as vítimas
Da liberdade que consente a violência,
Da violência que não consente a liberdade.
Um assassino o país. Com as suas leis
Inúteis, a sua ordem por cumprir.
Só nos resta esperar então morrer?
Joaquim Manuel Magalhães
sábado, 24 de outubro de 2009
O macaco nas termas | Adília Lopes
Adília Lopes, in A Bela Acordada
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Poemas Novos | Adília Lopes
cada dia faço
muito pouco
Mas
o pouco
que faço
não é louco
E
quando é louco
(às vezes é) que seja pouco
Que seja muito pouco
Adília Lopes
domingo, 4 de outubro de 2009
Adília Lopes
sábado, 3 de outubro de 2009
Os cordéis | Adília Lopes
Os cordéis
Passava os dias a dar nós em cordéis
para desfazer os nós a seguir
não tinha ninguém para a aplaudir
nem esperava Ulisses
mas continuava
aquilo não era um passatempo
os cordéis sem nós
serviam para desfazer os nós
enquanto os embrulhos trouxeram cordéis
as sobrinhas não estranharam
mas quando os cordéis se tornaram raros
lembraram-se de que ela na juventude
fora capaz de seguir cinco conversas diferentes
ao mesmo tempo
como Napoleão era capaz de ditar
dez cartas diferentes
ao mesmo tempo
só que a guerra e os bailes no consulado
tinham acabado
antes que ela se tornasse
uma grande espia
as sobrinhas convidavam forasteiros
e faziam cinco conversas diferentes
ao mesmo tempo
para a distraírem dos cordéis
mas os cordéis absorviam-na
nenhuma conversa lhe importava
as sobrinhas deitaram os cordéis fora
irritadas com aquela obstinação
ela passou a arrancar cabelos
e desfazer os nós dos cabelos
exige mais perícia do que desfazer
os nós dos cordéis
se fosse uma questão de vida ou de morte
seria como despoletar granadas
assim ela só podia perguntar
o que é mais fino do que um cabelo
para eu lhe poder dar nós?
Adília Lopes in Dobra
domingo, 20 de setembro de 2009
domingo, 13 de setembro de 2009
domingo, 6 de setembro de 2009
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Prosa | Régis Bonvicino
Prosa
Régis Bonvicino
Um poema não se vende como música, não se vende como quadro, como canção, ninguém dá um centavo, uma fava, um poema não vive além de suas palavras, sóis às avessas, não se vende como prosa, só como história ou arremedo de poema, não se vende como ferro-velho, pedaços de mangueira de um jardim, tambores de óleo queimado, sequer um pintassilgo, cantando no aterro de lixo ou a língua negra dos esgotos, que floresce algas, não se vende como grafite, não se vende como foto, vídeo ou filme de arte, não se vende como réplica ou post card, mau negociante de inutilidades, me tenha impregnado da praga das palavras
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
A CORTINA DE FERRO | Adília Lopes
Adília Lopes
Estive deitada
A Lua
varia
com o Sol
na razão inversa
do quadrado
da distância
e na razão directa
do cubo
do quadrado
do quarto
do quartzo
A fórmula
é engolida
de um trago
para o segredo
ser secreto
E eu vou
num voo
ter contigo
meu amor
longínquo
longitudes
e latitudes
estimadas
Marianna Alcoforado
sente-se 007
mas senta-se
Mulher-Cão | Paula Rego
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
domingo, 30 de agosto de 2009
A cultura
Joaquim Manuel Magalhães
sábado, 29 de agosto de 2009
c a s a | ADÍLIA LOPES
por ADÍLIA LOPES
Texto propositadamente escrito para a exposição e catálogo de desenhos de construção com casa . e céu de Carlos Nogueira.
«Casa» faz-me lembrar em primeiro lugar o Imperativo do verbo casar. Penso em Português. Imagino um pai tirano que aponta o dedo ao filho, estão pai e filho de fato completo escuro, e o pai manda:
– Casa!
É uma cena de palco velho com pó, que nada tem a ver com a casa atravessada pela luz de que fala o Carlos Nogueira.
A casa do Carlos Nogueira, para mim, é um espaço para rezar. Para pedir paciência e lágrimas. Porque podemos calcular as dimensões da mesa e da cadeira mas as recordações, as recordações do que foi e do que há-de ser, a angústia e a alegria, não as podemos prever, calcular.
Não me é possível falar das peças que vão estar na exposição sem ser sob a impressão muito forte do espaço em que as vi pela primeira vez: a casa do Carlos Nogueira.
Uma casa é só tecto e chão e o primeiro verso do poema de Sophia de Mello Breyner Andresen intitulado «Electra»: «Os muros da casa dos Manon escorrem sangue».
Sempre a casa são os laços de sangue e a burocracia associada ao sangue: as partilhas e não a partilha. Que a casa seja o lugar da renúncia às coisas inúteis. A casa ideal para mim é uma casa despojada de coisas. Poucos livros, poucos móveis e muitos gatos.
As cores do Carlos Nogueira são boas cores: o branco e a noite. E a forma é o paralelepípedo.
À volta há árvores, perto está o comboio e o mar. Podemos escutar o silêncio e a luz. Penso numa igreja, penso em arte sacra. O Carlos Nogueira pensou a casa dele e pensou as peças para a exposição como pensou a casa. Enquanto dispunha no chão os blocos de ferro e madeira, ouvíamos no gira-discos Maria Callas. Eu lembrei-me da Medeia de Pasolini, em que Maria Callas permanece muda para dar um grito e só ouvimos a sua voz ao dar esse grito – que não é voz, é grito.
Aqui tudo é ordem, mesmo o caos tem leis e sabe-se quais são. Há leis. Eu nunca penso a casa. O Carlos Nogueira pensa a casa. Planeia. Arquitecta. Eu vivo instante a instante, como quem vai a cair por uma escarpa e se agarra a tufos de ervas para não cair tão abruptamente. Não premedito. E, se medito, é com aflição. Para mim, a casa é construída de dentro para fora. Vim ao mundo na casa e a casa era o mundo. O Carlos Nogueira raciocina como eu imagino que um construtor de catedrais raciocinou. Eu não sou assim.
Falo em catedrais, mas devia falar em conventos. Conventos com celas. Se soubesse Biologia, falava em células. A casa é o quarto, o quadrado, o rectângulo, o cubo, o paralelepípedo. Um ovo também é uma casa, basta pensar em Brancusi. Uma célula, uma cela.
A casa é uma fortaleza como o convento e a catedral. É um espaço de segurança. Mas o abismo está lá. Vive-se perto do abismo. Convive-se com o abismo.
E é preciso pagar a casa e o abismo. A electricidade e o curto-circuito e as infiltrações de água e o incêndio e o seguro e a insegurança.
O que penso sobre estas peças que o Carlos Nogueira quer mostrar, e que tenho tentado fixar aqui por escrito, reduz-se ao título de um poema de Fernando Pessoa «A casa branca nau preta» e aos últimos versos do poema cujo título é esse: «A casa branca nau preta…/ Felicidade na Austrália…». Penso em Português e penso em versos.
A esgrouviada Marianna Alcoforado, a despassarada Marianna Alcoforado, melhor será dizer a apaixonada Marianna Alcoforado, que ama perdidamente como a Florbela Espanca dos sonetos, ia sentir-se bem nesta cela, nesta casa do Carlos Nogueira. Charneca em flor, charneca em fogo e um chão de ladrilhos pretos e brancos como um tabuleiro de xadrez. Deve ser bom ser inteligente e jogar xadrez aqui e tocar cravo e estudar Mecânica Clássica.
A janela devia ter grades como a do Convento de Beja de que os turistas japoneses tanto gostam.
A freira raciocina e apaixona-se. Não há calma nisto. Mas sem paciência não há ciência.
A casa é um espaço para rezar. Para pedir paciência, cinzas e lágrimas. Não há nisto luxo nem volúpia. E não digo sequer que haja beleza.
Na minha biblioteca baralhada, não encontro os poemas de Baudelaire. E estive a citar de cor um poema de Baudelaire, julgo que foi «O convite à viagem».
Da casa do Carlos Nogueira afinal nada sei, mas gostava de acabar de arrumar a minha casa. A minha casa é o convite a ficar, é o convite a não viajar. In Carlos Nogueira, desenhos de construção com casa . e céu, Almada, Casa da Cerca - CAC, Maio 2006, p. 48-53.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Le Nez / The plastic surgery (Sophie Calle)
"When I was fourteen my grandparents suggested that I needed plastic surgery. They made an appointment with a famous cosmetic surgeon, and it was decided that my nose should be straightened, that a scar on my left leg should be covered up with a piece of skin taken from my ass and that my ears should be pulled back. I had my doubts, but they reassured me, I could change my mind up until the very last moment. In the end, though, it was Doctor F. himself who put an end to my dilemma. Two days before the operation he committed suicide." Sophie Calle
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
St. Roach, | Muriel Rukeyser
St. Roach, | Muriel Rukeyser
For that I never knew you, I only learned to dread you,
for that I never touched you, they told me you are filth,
they showed me by every action to despise your kind;
for that I saw my people making war on you,
I could not tell you apart, one from another,
for that in childhood I lived in places clear of you,
for that all the people I knew met you by
crushing you, stamping you to death, they poured boiling
water on you, they flushed you down,
for that I could not tell one from another
only that you were dark, fast on your feet, and slender.
Not like me.
For that I did not know your poems
And that I do not know any of your sayings
And that I cannot speak or read your language
And that I do not sing your songs
And that I do not teach our children
to eat your food
or know your poems
or sing your songs
But that we say you are filthing our food
But that we know you not at all.
Yesterday I looked at one of you for the first time.
You were lighter that the others in color, that was
neither good nor bad.
I was really looking for the first time.
You seemed troubled and witty.
Today I touched one of you for the first time.
You were startled, you ran, you fled away
Fast as a dancer, light, strange, and lovely to the touch.
I reach, I touch, I begin to know you.
domingo, 23 de agosto de 2009
um apocalipse | Joaquim Castro Caldas
Agora é que tinha graça encher campos de selva de soldados e
derrubá-los com os braços, pegar-lhes pelos capacetes e pô-los
nos sítios do globo que nos apetecesse, agarrar no ar obuses e
mísseis e espetá-los una contra os outros, empurrar tanques por
desfiladeiros, desligar centrais nucleares e bombas e amontoar
dinheiro para o derreter e queimar, cobrir o jogo de lágrimas
verdadeiras e conta gotas nos olhos dos homenzinhos armados
em grandes, os que chamam melancolia ao amor e nostalgia
à humildade, os que monopolizam e manipulam a história,
informatizam a eternidade, esquecem-nos ou esquecem-se
Joaquim Castro Caldas, in Mágoa das Pedras